Opinião: momento ruim vivido pelo Atlético vai além do campo e bola
Vindo de cinco jogos sem ganhar, o Atlético vive seu pior momento como time de futebol desde o segundo semestre de 2019, quando também chegou a viver o mesmo jejum sob o comando de Rodrigo Santana. De lá para cá muita coisa mudou. Naquele ano o Galo ia para sua segunda temporada sob a “austeridade financeira” de Sérgio Sette Câmara, que estava longe de ser unanimidade entre a torcida por conta do fraco -e caro- elenco montado pelo então presidente.
Vendo o alvinegro terminar o ano próximo da zona de rebaixamento e eliminado pelo modesto Colón da Argentina, ficou claro que o time precisava de investimentos para voltar a ser competitivo. Sendo assim, Sérgio recorreu à Rafael Salvador, Rubens Menin, Ricardo Guimarães e Rafael Menin para que eles investissem algum dinheiro no clube para contratar jogadores.
Atleticanos fanáticos, os quatro prontamente toparam e já no primeiro semestre de 2020 começaram a chegar nomes como Guilherme Arana e Jefferson Savarino, que já aumentavam e muito, o nível do elenco se comparado aos anos anteriores. Apesar disso, a escolha da direção foi por colocar o venezuelano Rafael Dudamel no comando do time, uma decisão que quase custou ao Atlético sua temporada, uma vez que o time fora eliminado de forma precoce na Copa Sul-Americana e na Copa do Brasil pelos modestos Únion de Santa Fé e Afogados respectivamente.
A escolha foi por interromper o trabalho do ex-goleiro e trazer o badalado Jorge Sampaoli, que pedia reforços atrás de reforços, todos bancados pelo grupo dos 4R’s. É nesse contexto em que os mecenas passam a ter mais influência dentro das decisões do Atlético Antes apenas conselheiros, os quatro informalmente passavam a atuar como membros da diretoria atleticana, avaliando contratações, trabalhos e tendo influência direta nas decisões tomadas pelo clube.
O Galo é um dos poucos clubes no Brasil que tem um ambiente político interno bem controlado então sendo assim, todas as decisões do clube são tomadas de forma praticamente unânime. A eleição de Sérgio Coelho para o triênio de 2021/22/23 foi aprovada apenas porque o mandatário não se impôs ao fato de que o novo presidente eleito teria que gerir o time ao lado dos 4R’s.
Sendo assim, em 2021 é criado o órgão colegiado da diretoria formado pelos quatro mecenas e com o intuito de ajudar nas decisões a serem tomadas. Os novos diretores seguem injetando dinheiro no clube e em sua primeira temporada montam um grande time que põe fim a um jejum de 50 anos sem o título do Campeonato Brasileiro, além de conquistar o bicampeonato da Copa do Brasil.
A torcida, enlouquecida com o grande momento vivido pelo clube, passa a idolatrar os mecenas numa devoção de amor quase que cega, os colocando inclusive como salvadores, como os responsáveis por evitar uma possível falência. É bem verdade que o Atlético sempre teve uma situação financeira delicada e hoje tem dívidas batendo na casa dos R$1,3 bilhão, sendo dono da maior dívida do Brasil. Apesar disso, ao longo de seus 114 anos de história o clube fora rebaixado à segunda divisão apenas uma vez e curiosamente sob a gestão de Ricardo Guimarães, um dos 4R’s!
Durante a vitoriosa temporada de 2021 do Atlético, muito se falava do projeto do clube, em equalizar suas dívidas e se tornar uma das grandes potencias do Brasil. Algo que parcialmente aconteceu, uma vez que hoje o Galo tem um dos melhores plantéis do país e viu sua dívida diminuir por conta de acordos feitos pela direção (embora oficialmente ela tenha aumentado R$100 milhões de 2021 para 2022 segundo o balanço do clube, que não contabilizou tais acordos).
Após os títulos conquistados em 21, a promessa era de um time ainda mais competitivo para 2022, mas quando antes mesmo da temporada começar, alguns sinais já indicavam que o ano poderia ser um pouco mais complicado e que a diretoria teria que trabalhar muito para manter o time no topo. Ainda em 2021 o Galo perdeu Cuca, que pediu para deixar o clube e o capitão Júnior Alonso, negociado com o Krasnodar da Rússia por R$ 50 milhões. O atacante Diego Costa também pediu para deixar o Atlético e teve seu contrato rescindido nas primeiras semanas de 2022.
Embora a promessa feita pelos mecenas fosse de mais investimentos, ao olhar o orçamento do clube, ficava claro que não seria o caso: o alvinegro precisaria fazer R$ 145 milhões em vendas para conseguir fechar o ano com suas contas em dia. Sendo assim, o que se viu foi um elenco outrora numeroso, sendo enfraquecido. Ainda no primeiro semestre de 2022 deixaram o clube: Diego Costa, Hyoran, Nathan, Alonso, Savarino, Tchê Tchê e Dylan Borrero.
A direção tentou fazer sua parte e trouxe Ademir, Fábio Gomes, Otávio e Godín como reposições. Decisões que se mostraram equivocadas, visto que dois destes atletas já chegaram inclusive a deixar o clube e que, se não fosse o retorno de Júnior Alonso por conta da guerra na Rússia, o Atlético hoje estaria precisando ir ao mercado para trazer mais um zagueiro.
É preciso falar também da escolha do substituto de Cuca, para muitos o maior treinador da história do clube. A direção optou por fugir de nomes tradicionais e decidiu por Antonio El Turco Mohamed, treinador argentino que já tinha conduzido bons trabalhos no México e tivera passagem pelo modesto Celta de Vigo, da Espanha. El Turco chegou ao Galo com a missão de dar sequência ao trabalho de Cuca, algo que em um primeiro momento ele fez muito bem.
Sob seu comando o time foi campeão estadual e da Supercopa do Brasil jogando um futebol vistoso e até mais ofensivo do que alguns momentos da temporada de 2021. Em meio a temporada o treinador vê seus atletas sendo vendidos e assim que a primeira maratona de jogos começa com Campeonato Brasileiro e Copa Libertadores, o Atlético sofre com uma série de lesões e passa a oscilar muito.
A pressão sobre Mohamed aumenta a cada partida que passa e cada vez mais ele passa não conseguir achar opções em seu elenco. Após um acachapante 5×3 para o Fluminense no Rio de Janeiro, o time claramente muda sua forma de jogar e passa a ser mais reativo, esperando mais o adversário. Algo que funciona de certa forma, visto que o Galo passa a perder menos jogos, mas mesmo assim, a produção ofensiva do time despenca muito por conta das ausências, por conta de lesões e o time continua a oscilar, deixando escapar vantagens e tropeçando muito no Brasileiro. Por conta disso, a torcida já passa a pedir a demissão do treinador.
No entanto, na Copa Libertadores o alvinegro vinha bem, tendo se classificado em primeiro no seu grupo e eliminando o Emelec nas oitavas de final da competição. Paralelamente na Copa do Brasil, o Atlético precocemente precisa enfrentar o Flamengo nas oitavas de final da competição e, após vencer o jogo de ida por 2×1, é eliminado em uma partida onde não só perdeu por 2×0, como também foi completamente dominado pelo rubro-negro. A eliminação foi um baque para o time, a pressão sobre o treinador aumentou e o emocional dos atletas foi para o chão.
Ao passo que o Atlético viveu em campo uma noite para se esquecer dentro do Maracanã, o cenário pré-jogo foi muito mal conduzido pela direção alvinegra, que embarcou em uma série de discussões vazias com a direção flamenguista e fizeram com o que o jogo de volta ultrapasse as quatro linhas. Algo comum em duelos entre Atlético e Flamengo no Rio, quando ingenuamente os atleticanos acabam cedendo as provocações rubro-negras e criando um clima maior do que o jogo merece. Isso geralmente só ocorre quando o momento vivido pelo alvinegro é melhor e cito como exemplos o duelo pelo primeiro turno do Brasileiro de 2012 no Engenhão e o duelo pelo segundo turno do Brasileiro de 2021, quando em ambas oportunidades o Galo acabou derrotado no Maracanã após semanas turbulentas.
Por mais que o histórico alvinegro jogando contra o Fla no Maracanã seja ruim, toda a pressão recaiu sobre El Turco e sua situação ficava cada vez mais insustentável. Nem mesmo a vitória por 1×0 sobre o Botafogo no Engenhão que, momentaneamente fez com que o Galo assumisse a ponta da tabela do Brasileirão, aliviaram a pressão sobre o treinador. Apesar disso, a expectativa era de que o trabalho melhorasse, afinal de contas, com a abertura da janela de transferências no dia 18/07, Mohamed ganharia para seu elenco Pedrinho, Pavón, Alan Kardec e Jemerson. Além de Keno e Zaracho recuperados de lesão.
Foi então que em um 21/07, apenas três dias após a abertura da janela de transferências e no seu primeiro jogo com um elenco que fora remontado às pressas, em meio a temporada e formado por diversos atletas que ainda precisam ganhar ritmo de jogo, que o Galo fez uma partida ruim contra o Cuiabá fora de casa e já nos minutos finais conseguiu achar um gol com Alan Kardec. A vitória parecia dar respiro à El Turco, mas no último lance da partida o Dourado empatou e o treinador acabou demitido.
Mohamed deixou o comando do Galo com 45 jogos, 27 vitórias, 13 empates, 5 derrotas e 2 títulos conquistados. Ótimos números, certo? Mas então porque o treinador era tão pressionado e mesmo tendo bom relacionamento com os atletas não conseguia fazer o time ser regular? Porque a diretoria atleticana, aquela mesma que, para muitos salvou o time do rebaixamento e que por isso deveria ser imune à críticas, criou uma expectativa na torcida e não conseguiu atender.
O planejamento foi mal feito, tendo que ser revisto ao longo da temporada e, com isso, a pressão sobre os atletas aumentou, tendo impacto direto no emocional do grupo que passou a tropeçar cada vez mais. A diretoria optou por trazer Cuca, campeão brasileiro em 2021 para suceder El Turco, na esperança de poupar tempo, uma vez que outro técnico precisaria conhecer o elenco até fazê-lo render, o treinador possa rapidamente fazer o time voltar e jogar bem como fez na temporada passada.
Desde a saída de El Turco e a chegada de Cuca, o Galo realmente melhorou de produção, tendo feito bons jogos, mas mesmo assim segue sem vencer e deixando escapar vitórias nos minutos finais de jogo. A sequência de quatro jogos sem vitórias no Brasileiro fizeram com que o alvinegro caísse para o sétimo lugar no torneio, ficando a 13 pontos do líder Palmeiras, algo que deixa o título quase impossível. (Quando Mohamed foi demitido o time era segundo colocado e estava a 4 pontos do líder)
Na próxima quarta-feira (10), o Atlético possivelmente decide sua temporada contra o Palmeiras, uma vez que, caso seja eliminado pelo Verdão na Libertadores, o alvinegro já não brigará por mais nenhum título. Os paulistas são o melhor time da América e favoritos a passar, algo já destacado pelo técnico Cuca. Imaginando que o pior aconteça no Allianz e o Galo seja eliminado e que não existe mais El Turco para receber as críticas da torcida, quem será eleito o vilão de eliminação? Os atletas, que de fato caíram de rendimento e precisam ser cobrados por isso, mas que também tiveram seu emocional abalado por conta do planejamento mal feito da diretoria?
Já surgem relatos de que, em caso de uma eliminação na quarta e em caso de o Atlético não conseguir se classificar para Copa Libertadores em 2023, dois cenários muito prováveis e a operação da venda do Diamond para aliviar as dívidas do clube terá sido em vão. Em meio a todo esse caos, ainda surgem notícias de que o Atlético estuda uma transformação em SAF, algo que os mecenas e a direção indiretamente afirmam ser a única saída do buraco financeiro em que o clube se encontra.
As SAF’s são sim uma alternativa interessante para clubes endividados, mas tem como grande problema o fato de não serem democráticas. A partir de um momento que um clube passa a ser propriedade de um dono, ele só deixará a gestão caso opte por isso. No atual modelo associativo, por pior que uma gestão seja, ela sempre deixará o poder em algum momento. É bem verdade que o modelo associativo dos clubes brasileiros é elitista, excludente, ultrapassado e, em muitos casos, o responsável por ter colocado clubes como Vasco, Cruzeiro e Botafogo em situações que beiravam a falência. Apesar disso, como dito anteriormente, ele é um respiro de democracia.
Não sou contra as SAF’s, mas sou contra um time ter um proprietário, algo que pode ser tão danoso quanto um conselho ruim e temos diversos exemplos disso mundo afora (Sunderland, Derby, Leeds, Rangers…). Penso que o investimento de capital externo pode sim ser benéfico ao clube, visto que gera práticas de governança e profissionaliza a gestão.
Dito isso, é preciso fazer o possível para que o clube permaneça democrático. Uma solução que acho interessante é adotada pelo Bayern de Munique, da Alemanha, que tem acionistas, mas que jamais podem ser acionistas majoritários, com pelo menos 50,1% das ações do clube sempre sendo vinculadas ao conselho.
Com todos esses fatos expostos, acho que é necessário que a torcida do Atlético faça uma reflexão sobre o momento vivido pelo clube e sobre o futuro que está por vir. Até onde essa gestão unilateral vai levar o clube? Não acho que a gestão seja ruim, pelo contrário, tem muitos méritos. Mas também tem os seus defeitos que precisam ser expostos, caso contrário, pode ser tarde demais para uma mudança.
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